terça-feira, 10 de maio de 2016

Transformação - Capítulo 1


Copyright © 2015 por Raphaela Mello

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Capítulo 1 


Cidade dos Anjos, século XVIII.
Marq Melo Monteiro volta para casa no fim da gélida tarde de outono. Após sair da fábrica do pai, onde trabalha desde que terminou o segundo grau e trocar poucas palavras com antigos colegas de escola, ele se apressa antes de o breu da noite lhe cegar os olhos.

A rajada de vento o faz cruzar os braços; ele tenta se aquecer da mesma forma que fez no primeiro dia de aula na escola da Cidade dos Anjos, uma pequena cidade da América do Sul, aos 10 anos de idade quando se mudou para o local.

O frio tornou-se ainda mais doloroso através dos olhares críticos dos alunos. Ele era o patinho feio cercado por cisnes dentro do lago, essa sensação perdurou por anos. O garoto europeu, diferente dos sul-americanos nos modos, educação e vestimenta, recebeu todo tipo de censura, contudo os anos passaram, ele se adaptou, fez amigos e conseguiu admiradoras.

Laura, a mais recente, bonita, de rosto angelical, mas frívola, só deseja um bom marido que lhe proporcione a sonhada vida de princesa. Depois que a fábrica do pai se desenvolveu e tornou-se a maior e única da região, Marq passou a ser o melhor partido da cidade.

Outra brisa, parecendo ainda mais fria, mostra que a noite chega rapidamente. Ele corre. A mãe ralhará caso chegue atrasado ao jantar; isso é sagrado para ela.

Em breve ele completará dezoito anos. Já teve conhecimento que os pais das moças da região pensam em promover festas a fim de convidá-lo para apresentar-lhe as filhas. Marq pensa ser novo para assumir um compromisso; ele não deseja um casamento arranjado, um bom negócio para ambas as famílias; ele quer encontrar uma moça especial, aquela por quem se apaixonará e passará o resto dos dias ao lado dela. Deseja também que o amor seja recíproco, que ela se interesse por ele e não apenas pela fábrica e o dinheiro dos pais, a herança dele.

Ao chegar à Mansão Melo Monteiro, como é conhecida devido à sua imponência, Marq chama pelos pais ao entrar pela cozinha.

− Mãe? Pai? Cheguei. Espero não ter me atrasado.

Ele não os encontra na cozinha, percorre o corredor até a sala de jantar; a mesa ainda não foi posta.

Algo estranho está acontecendo. Há essa hora a mãe já estaria colocando a mesa. Ele pressente as sobrancelhas cerrarem. Marq vai à outra sala, passos curtos, silenciosos, olhos atentos. As poucas velas acesas revelam os corpos dos pais caídos no meio do cômodo.

Marq pega a vela, se apressa até eles, agacha-se, tenta despertá-los com gestos delicados a princípio, depois eles tornam-se vigorosos; os pais estão mortos. Ao examinar os corpos encontra ferimentos à bala.

Foram mortos por arma de fogo, mas quem poderia tê-los matado? Eles são pessoas boas, trabalhadores; o pai ajuda tantos moradores, não apenas da cidade, mas também da região. Foi um assalto?... O que ele fará agora? Chamará a polícia?

Ele levanta-se e antes mesmo de pensar em correr até a delegacia, um som gela-lhe a espinha.

− Nhequi... – É o rangido da tábua solta do alto da escada. Marq conheceria aquele som a quilômetros de distância; ele não está só, o assassino está descendo a escada.

Paralisado, ele aguarda os vultos chegarem a poucos degraus dele. Dois homens mascarados apontam os revolveres em sua direção. Antes do primeiro disparo, Marq corre para a porta da cozinha. A marcha pesada dos homens pode ser ouvida logo atrás.

Marq corre para a floresta, tenta despistá-los; ele brincou naquele lugar durante toda a infância, conhece bem a floresta, como também seus perigos noturnos, todavia é a única escolha. Ou ele fica e morre pelas armas dos assassinos dos pais ou se arrisca na floresta escura e tem uma chance.

Os estampidos continuam. As armas são disparadas uma após outra. Sem enxergar a trilha que costumava fazer, Marq prossegue aos tropeços.

Outro estampido, a lateral do abdome queima. A mesma sensação de quando encostou o braço na chama da vela sobre a mesa. Ele põe a mão na cintura, percebe a camisa grudar ao corpo; ela está úmida, pegajosa. As pernas perdem a força, tornam-se pesadas, difíceis de comandarem. Não pode parar, tem que continuar.

Corre! Corre! Corre! Mais rápido!

De novo o som do estampido chega-lhe aos ouvidos, agora mais alto e forte. Marq se desequilibra com o golpe. O ombro atingido adormece, o braço perde os movimentos.

Ele alcança a ponte que corta a floresta. Não imaginou estar tão distante de casa. Ele para, corpo arqueado, dolorido, respiração difícil. Marq vira-se, os homens aproximam-se dele. Ele perdeu as forças para continuar. Milésimos de segundos passam, mas parece uma eternidade.

Apoiando-se sobre o braço bom, ele sobe no guarda-corpo, passa para o lado externo da ponte. O som abafado dos passos pesados dos assassinos torna-se mais audível.

Marq respira profundamente várias vezes, quando os disparos reiniciam, ele se deixa cair nas fortes correntezas do rio e é levado violentamente rio abaixo, os disparos cessam, sua consciência o abandona.

Três dias mais tarde.

− Olá. Você sente dor?

Marq abre os olhos, a visão está embaçada, somente vultos aparecem a sua frente.

− Onde estou?

− No hospital.

Ele não reconhece a voz. Marq aperta os olhos e os abre novamente tentando conseguir uma imagem nítida.

Ao seu lado encontra-se um senhor aparentando quarenta anos de idade, barba crescida, roupas surradas.

− Quem é o Senhor?

− José. Eu o encontrei na margem do rio onde costumo pescar. Você parecia morto.

− O que aconteceu?

− Pensei que pudesse me contar. Não se lembra?

− Minha cabeça dói. – Marq desliza os dedos pelos cabelos.

− Vou chamar o médico.

O homem se endireita na cadeira, levanta, segue apressado para fora do quarto chamando a enfermeira. O que ele faz em um hospital? O rio, claro, ele pulou no rio, porque fez isso? Homens o perseguiam, tiros, ele foi atingido. Os pais... mortos. Por quê? Quem os mataria? Com que propósito? O que será dele agora?

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